Nos arredores de Madrid

Quem se atreve a abrir mão de uns dias em Madrid para conhecer seus arredores não se arrepende. Em poucos lugares é possível, com uma viagem de meia hora, ir de Roma para a Baixa Idade Média e de lá para o Absolutismo. Ao redor da capital espanhola, estão Toledo, Segovia e Aranjuez, três localidades únicas e completamente distintas. Todas acessíveis facilmente por trem em viagens que vão exigir pouquíssimos euros. Um dia é suficiente para as visitas (no caso de Aranjuez, vale até meio dia).

Toledo é uma cidade com características medievais. Ainda guarda uma muralha, que esconde e protege ladeiras e ruelas que levam a uma viagem no tempo. Situada na beira do rio Tejo (sim, ele nasce na Espanha e desemboca em Lisboa), a cidade exige muita caminhada – mas não se preocupe: o prazer superará o cansaço. E ainda que você queira parar algum tempo para descansar, terá à disposição uma vista enebriante.
E descansar talvez seja mesmo preciso, pois Toledo tem algumas – muitas – subidas (um calçado confortável é fundamental). Como uma típica cidade medieval, sobram igrejas ainda que falte espaço. A principal delas, a Catedral de Toledo, é uma joia (e guarda várias joias e relíquias, como a Bíblia de São Luís, rei da França, datada do século 13). O altar dourado é dos mais bonitos da Europa. A arquitetura é fenomenal, em estilo gótico. Sua história, idem. A construção é do século 13.

Como a Península Ibérica esteve sob domínio árabe durante décadas, as marcas dessa presença estão por toda parte. Em Toledo, não podia ser diferente. O curioso é que, embora a cidade tenha sinagogas e mesquitas, sua catedral serviu também para os mouros. Aliás, durante esse período, Toledo teve grande importância política. Curiosamente, uma das mais famosas sinagogas locais, a de Santa Maria La Blanca, erguida no século 12, foi entregue no século 20 à Igreja Católica.

Em Aranjuez, fica um dos muitos palácios usados para períodos de férias de reis e rainhas - embora já tenha servido de residência real na época dos Reis Católicos Fernando e Isabel. Chegar até ele exige uma boa caminhada desde a estação de trem, mas o caminho é tranquilo e repleto de árvores, o que confere um ar um tanto bucólico ao passeio. O palácio é conhecido como uma miniatura do de Madrid - quem conhece o original logo vê as semelhanças, principalmente na área interna (a sala do trono, por exemplo, é uma cópia da original).
Datado do século 16 (houve várias reformas posteriormente, inclusive após um incêndio, tal como ocorreu no de Madrid), o Palácio de Aranjuez está bem servido de móveis e objetos (aliás, nisso os espanhóis estão muito à frente dos colegas franceses e ingleses. Em relação aos primeiros, levam a vantagem de ainda terem uma família real, o que contribui para o cuidado com o passado real; em relação aos últimos, que também preservam a tradição imperial, têm a vantagem de abrir mais seus espaços ao público).
Passear pelos cômodos e pelos jardins (banhados pelas águas do Tejo) de Aranjuez é se deparar com a história viva, contada em paredes, pinturas, roupas, berços... Lá, é possível ver até antigos modelos de bicicleta que serviam de diversão para os pequenos nobres.

Em Segovia, outro palácio real chama a atenção, embora de estilo completamente diferente. O Alcázar foi uma edificação moura (a primeira menção a ela data de 1120), que depois serviu de morada para os reis espanhois (na verdade, de reinos da Espanha ainda dividida). Foi lá, por exemplo, que Isabel, a Católica, foi coroada rainha de Castela em 10 de dezembro de 1474.
O estilo arquitetônico islâmico é evidente em suas grandes paredes.
Uma característica interessante do Alcázar é seu fosso (o primeiro que vi num palácio tal como se conhece dos filmes) – o que exige uma ponte para alcançar seu interior. Perto dos palácios de Madrid e Aranjuez, a sala do trono do Alcázar é muito modesta (bem modesta!). Seu interior guarda armaduras e canhões (nada comparável à magnífica Armería, a sala das armas, do Palácio Real de Madrid) e pinturas, entre outros objetos mais simples.
Tão importante quanto o Alcázar, outro marco de Segovia faz dela um exemplar raro nos arredores de Madrid. Ninguém irá chegar ao famoso palácio sem passar pelos arcos do antigo aqueduto romano – construído nos séculos 1 e 2, é prova de que a cidade já estava lá muito antes dos mouros chegarem à Península Ibérica (veja detalhes abaixo). Escalar os arcos por uma escadaria é obrigação. Lá de cima, vê-se a cidade onde o antigo e o novo convivem com uma relativa harmonia.

Em tempo: os mouros invadiram a Península Ibérica no ano 711 (século 8), quando derrotaram Rodrigo (tinha que ser...), o último rei visigodo de Toledo. Foi o período da Conquista Árabe ou Islâmica. A Reconquista Cristã durou toda a Idade Média e foi dada como concluída em 1492, justamente no reinado de Isabel e Fernando de Aragão, os Reis Católicos.

* As imagens de Toledo são minhas; a de Aranjuez é do site oficial do Patrimônio Nacional da Espanha e as de Segovia são do Wikipedia (as minhas, nestas duas últimas cidades, não são digitais).

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