Crônicas londrinas

Poucas vezes recorri a manifestações de terceiros neste blog. Não por egoísmo; é que a proposta deste trabalho é buscar nas lembranças de minhas viagens os sentimentos aflorados - e isto é essencialmente pessoal.
Não poderia deixar de fora, porém, essa série de reportagens, em estilo de crônicas, feitas pela jornalista Sandra Annemberg – hoje apresentadora do “Jornal Hoje”, da TV Globo – quando foi correspondente em Londres. São seis matérias, feitas entre 2000 e 2001, que retratam com maestria e poesia um pouco da vida londrina. Imperdível!

Na boca do vulcão

A recente erupção de um vulcão na Islândia, que paralisou o tráfego aéreo na Europa (leia mais aqui), trouxe-me à mente um episódio vivido há 11 anos. Até 1999, meus únicos contatos com um vulcão eram as viagens para Poços de Caldas (MG). Dizem que a região fica na cratera de um antigo vulcão, daqueles de outras eras. Ou seja: o contato se restringia a uma história.
Entre novembro e dezembro de 1999, porém, estive de fato na “boca do inferno”. O nome é Hakone, uma cidade a cerca de duas horas (menos de 100 quilômetros) de Tóquio, no Japão. Ela fica no Parque Nacional Fuji Hakone Izu. O local é conhecido pelas termas e por proporcionar uma bela vista do Monte Fuji (na verdade um vulcão adormecido há centenas de anos, mas que pode acordar a qualquer momento...).

O parque tem várias atrações. A mais surpreendente delas exige que se pegue um teleférico. Floresta acima, chega-se a uma estação. Após uma breve caminhada, a paisagem verde dá lugar a ares um tanto desérticos. O solo é seco e rochoso. Inevitável não notar a fumaça, muita fumaça. Saindo do chão! E o cheiro quase insuportável de... enxofre! Enxofre + fumaça saindo do chão + topo de montanha = vulcão?
Não conseguia acreditar na sensação de estar no topo de um vulcão de verdade – calma, não havia cratera com lava escorrendo nem explosões, mas não deixou de ser uma cena inédita. Emocionante. Confesso até um pouco aterrorizante. Bela. Inesquecível. Mais um sonho se realizava, estar num vulcão.
A região de onde saem os chamados fumos vulcânicos (pelo que pesquisei, é a fumaça expelida pelos vulcões) é conhecida como Owakudani. Trata-se de uma área em torno de uma cratera surgida na última erupção do Monte Hakone, há cerca de três mil anos (ufa!). Apesar de tanto tempo ter passado, o local ainda é uma zona vulcânica ativa (a fumaça e o enxofre não negam...). Vapores sulfurosos (este é o nome correto – em química, enxofre é sulfur) brotam constantemente do chão, bem como água quente.
Quente a ponto de cozinhar ovos. Sem brincadeira! Os ovos de Hakone são famosos no Japão. Reza a tradição que quem os consumir ganha mais sete anos de vida. É preciso pagar, claro. Meu pai testou. Os ovos são escuros, pretos mesmo, por causa do enxofre. Ficam em grandes caixas (dá para ver na foto). Você compra, pega ali mesmo, retira a casca e garante a longevidade. Ir a Hakone e não experimentar ao menos um ovo é o mesmo que ir a Roma... bem, todos conhecem o ditado.
Obviamente que a mistura de ovo com o forte cheiro do enxofre traz uma sensação não muito agradável. No Brasil, é comum indagar-se “Você comeu ovo podre?” quando surgem certos tipos de gases (perdoe-me, mas é a melhor comparação possível). Pois em Hakone não tem jeito: você se sente em meio a uma grande colônia de ovos podres (pelo cheiro, registre-se, porque os tais ovos da vida longa são frescos).
E não é só o cheiro: o vapor pode fazer mal à saúde (como alertou a Organização Mundial da Saúde agora no caso da Islândia). Uma placa alerta os visitantes para que não cheguem até Owakudani caso tenham problemas no coração, no pulmão, entre outros. O tal gás sulfúrico (ou seria sulfuroso?) pode ser fatal!

A região abriga também o lago Ashi (Ashinoko em japonês), surgido na cratera do vulcão também na última erupção, entre outros pontos turísticos. O passeio de barco pelo local vale a pena. Com sorte, você terá uma bela vista do Monte Fuji. E ainda que não o veja, relaxe. Aprecie a paisagem e lembre-se: não é todo dia que você navega na cratera de um vulcão ativo.

Pelos subsolos

Quem acompanha este blog sabe da importância que dou às caminhadas numa viagem. Não há forma melhor de conhecer um lugar do que recorrer ao mais antigo meio de locomoção: os pés! Nunca – repito, nunca! – abra mão de uma caminhada quando chegar a uma cidade. Isso não implica dizer que você deverá percorrer quilômetros em busca das atrações, cansando-se e perdendo tempo (algo precioso numa viagem). Significa apenas que você deve reservar algum tempo para caminhar. Simplesmente caminhar, despreocupadamente. Olhe as vitrines, observe as pessoas, o trânsito, as lojas, a vida na cidade enfim.
Caminhar, porém, não é o único meio de descobrir um lugar. Utilizar os meios de transporte também costuma ser uma experiência incrível. Isso permite que você entenda melhor como a cidade está organizada (se é que está...), que valor os moradores dão a ela e o mais importante: permite conviver com os locais, pessoas comuns, que estudam, trabalham ou simplesmente vão até a casa de um amigo ou parente usando o ônibus ou o metrô.
Fora do Brasil, você poderá observar interessantes aspectos culturais, desde a língua (ou a mistura delas) até os costumes (de leitura, vestimenta, etc). Na Europa, uma viagem de metrô lhe dará a certeza de que as cidades brasileiras têm muito o que avançar nesse quesito. Com linhas que ultrapassam facilmente os 400 quilômetros, os metrôs de Paris, Londres e Madrid, por exemplo, dão inveja ao de São Paulo. Repare que estou falando unicamente da extensão das linhas, pois os trens e as estações paulistanas não deixam nada a desejar às europeias.
Andar de metrô tem uma outra vantagem: você vai se deparar com as mais autênticas manifestações culturais do local, sejam pichações ou pinturas; sejam artistas populares, seus instrumentos e suas músicas ou cartazes de propaganda. No metrô de Londres, por exemplo, você poderá descer e subir as longas escadas rolantes observando a enxurrada de quadros publicitários.
Em Nova York (de longe o mais sujo e decadente dos metrôs das grandes cidades que conheci), os tipos populares e as pichações são os destaques (bem, os problemas estruturais também, como revela o vídeo a seguir postado no Twitter pelo jornalista Flávio Fachel, correspondente da TV Globo na cidade).



Em Madrid, não será difícil você usar vagões novos em estações idem, fruto dos pesados investimentos em transporte público feitos pela Comunidade Europeia antes da crise mundial (para se ter uma ideia, em 30 dias vi duas estações serem abertas, uma das quais me lembro o nome: Aviación Española). Não estranhe a quantidade de árabes e latinos no metrô madrilenho. Como em Paris, onde há grande quantidade de imigrantes e descendentes, muitos deles africanos.
Ah, não deixe de reparar nos nomes das estações: elas lhe ensinarão muito sobre a história e a sociedade locais (até arrumei uma confusão com um amigo porque, silencioso, pus-me a tentar decorar os nomes das estações...).
Não poderia encerrar sem falar das tradicionais mensagens dos metrôs. Afinal, elas se tornaram parte do cotidiano das cidades. Quem não se lembra do já famoso “Mind the gap” do metrô londrino? É quase um ícone sonoro da capital inglesa!
Ler, ouvir, ver. O metrô é uma verdadeira aula de cultura, antropologia e história. Uma verdadeira viagem (no sentido literal e figurado). Da próxima vez, portanto, não hesite em descer ao subsolo. Ele poderá lhe reservar agradáveis surpresas!

Em tempo: não tema se perder no metrô. Leia atentamente os mapas e cheque as linhas. Confirme as conexões, tire dúvidas com funcionários e usuários. Eles lhe ajudarão. E lembre-se: o princípio do sistema é o mesmo em qualquer cidade.

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