Aventuras gastronômicas - parte 1

A gastronomia é, sem dúvida, uma das mais interessantes formas de conhecer uma outra cultura. Portanto, numa viagem - seja para fora ou mesmo dentro do Brasil -, deixar de experimentar algo típico da localidade beira a heresia turística. Obviamente, não é necessário que seja a chamada alta gastronomia. Pode ser a boa e velha culinária do dia-a-dia. Em Nova York, por exemplo, quer algo mais nova-iorquino que um tradicional hot dog de um daqueles carrinhos da esquina? Ou uma pizza num dos Sbarro espalhados pela cidade?
Assim, na sua próxima viagem, inclua paradas em sorveterias (ou gelaterias se estiver na Itália), padarias, bares e cafés (indispensáveis em Paris), pubs (idem para Londres e Dublin) e restaurantes. Olhe as vitrines, saboreie – ainda que visualmente (até para reduzir o risco de engordar) – as delícias, repare nos detalhes, aprecie a profusão de cores e aromas que o local emana.
Fatalmente, você identificará diferenças e semelhanças entre a “nossa” culinária e a “deles” (sejam “nossa” e “deles” o que forem). As comparações são inevitáveis; elas só não podem ser impeditivos para a experimentação ou motivadoras de julgamentos. Cada sociedade tem sua cultura, cada cultura tem suas características, que são frutos de um contexto histórico e social.
Até em razão dessas marcas que a culinária carrega, além de viver novas experiências gustativas, ela ajuda a entender melhor um povo. Na Alemanha, por exemplo, uma conversa com alguém com mais de 50 anos poderá valer a explicação para o fato das batatas serem tão presentes nas refeições. Elas foram a base da alimentação, junto com o pão, durante os anos difíceis das guerras. Em muitos casos, foram o único produto à mesa.
No Japão, basta uma pequena noção de geografia para entender porque a carne vermelha é artigo raro – e caro! – e o peixe virou a base da alimentação. Aliás, o mesmo se aplica às frutas. Só um país que não tem espaço sequer para enterrar seus mortos pode cobrar algo como 20 dólares de uma banana (isto mesmo, UMA banana) e cerca de 100 dólares por um melão (eu disse UM melão...).
Na Holanda, bem... talvez tenha sido o pior lugar onde me alimentei (numa concorrência bem próxima com o Japão, onde os preços chegam a ser restritivos e os pratos estranhos para os gostos ocidentais). Se é que se pode chamar uma espécie de Doritos com molho de tomate de alimentação. Pois foi o que restou na primeira noite de cansaço em Amsterdã. Dá-lhe, então, Grolsch (as cervejas também são um item importante desta história)!
Para quem tem certa dificuldade com a gastronomia alheia, como eu, a experiência necessária das refeições torna-se muitas vezes um desafio. Não é raro o McDonald´s da esquina “salvar” o dia. Se este também é o seu caso, vai uma dica: coma quantos Big Mac quiser, mas reserve ao menos uma refeição durante a viagem para experimentar a cultura local.
Nas grandes cidades, como São Paulo, é comum encontrar culinária de todo o mundo. Neste caso, pode-se recorrer facilmente àquela que mais lhe agrada. Um amigo com quem viajei certa vez, por exemplo, rapidamente identificou minha preferência: “aqui tem espagueti” ou “peça seu espagueti”, dizia. Não é a saída mais adequada, admito, mas prefiro não correr o risco de estragar o passeio devido a uma crise estomacal – como aconteceu no Japão (e, mais uma vez, o McDonald´s me socorreu).
Além das novas experiências gustativas e de ajudar a conhecer melhor a localidade, a culinária também costuma proporcionar boas histórias que fazem a diferença em qualquer viagem. São elas que vão ficar na memória tal como aquele ingrediente que confere o tempero especial a um prato. Não esqueço, por exemplo, o mico que paguei num restaurante na primeira vez que estive nos Estados Unidos, em 1990. Tinha 13 anos, estava sem meus pais, e comprei um sorvete para depois do jantar. Fui até a máquina (tudo era em máquina e tudo era novo para mim) e enchi o copo. Estranhei, é verdade, que o sorvete estava um pouco... quente. Estranhei mais ainda quando vi as pessoas rindo nas mesas ao redor. Só então descobri que ao invés de sorvete, havia enchido o copo com chantilly.
Também inesquecível foi o almoço num restaurante com mesas ao ar livre na região de Belém, em Lisboa. Havíamos pedido bacalhau com batatas ao murro, um prato que eu conhecia de uma visita anterior a Portugal. Quando a garçonete trouxe o pedido, na hora vi que não era o mesmo prato que eu já experimentara. No lugar de batatas ao murro, um outro tipo de batata. Meu amigo, ainda em dúvida, começou a examinar o prato. Levantou o peixe, mexeu nas batatas, tudo sob o olhar curioso de um grupo de franceses na mesa ao lado. Decidimos chamar a garçonete e relatar o equívoco. Primeiro, ela tentou nos convencer de que o pedido estava correto. Como eu resisti e manifestei conhecer o prato, ela – um tanto constrangida – confessou, em voz baixa, que aquele era o pedido da mesa ao lado. Rimos e devolvemos os pratos.
O problema foi quando a garçonete encontrou a colega que atendia os franceses e simplesmente repassou os pratos para ela, ali, à vista de todos. E a colega, sem pestanejar, levou os mesmos pratos que momentos antes estavam na nossa mesa até a mesa ao lado. Para espanto dos franceses, que ficaram furiosos. Inconformados, eles começaram a conversar conosco. E o meu amigo, que não entendeu nada, ainda respondeu! Ouviu em francês, falou em inglês, emendou em português. Uma verdadeira babel, um episódio proporcionado pela... culinária.
Sem contar a pizzaria em Tóquio. Primeiro tentei pedir água (a Coca-Cola custava muito caro!), mas o garçom aparentemente não compreendia meu inglês. E respondia algo como “valter, valter...”. Como ninguém se entendia, meu pai aproveitou a vista do restaurante para a baía de Tóquio e recorreu à velha mímica, apontando para o mar. Nada. A muito custo, descobri que o tal “valter” era “water” num inglês com sotaque japonês do garçom – que tentava apenas confirmar o pedido. Resolvido o impasse, uma conversa animada e a pizza (de novo a culinária italiana nos salvando...) sendo devorada quando, de repente, o garçom se aproximou, esticou o braço e mostrou uma folhinha. Era a conta (que ninguém havia pedido). E não precisava. Eram 22h e o restaurante iria fechar. A conta tinha que ser paga.
Aventuras culinárias não faltam. O que falta é disposição para colocar tudo numa única postagem. Então, vai a última. Em alguns restaurantes da Europa e dos EUA, você tem que pagar o pedido assim que o faz, nada de conta depois. E isso às vezes incomoda. Num pub em Londres, sem conhecer nada da culinária local, um amigo e eu decidimos pedir ajuda à garçonete. Em inglês, óbvio, disparamos: “o que tem de bom para comer?”. Surpreendentemente, a resposta veio em português e em forma de pergunta: “por acaso tem algo de bom para comer neste país?”, retrucou a bela jovem brasileira que fazia intercâmbio. Foi ela - e o jeitinho brasileiro - que nos permitiu tomar todas as cervejas possíveis naquela noite pagando uma única vez no final.
Se ainda assim você não se convenceu de que vale a pena ir além do McDonald´s, lamento. Você deixará de viver ótimas experiências gastronômicas. E sua viagem terá muito menos histórias.

Em tempo: como eu disse que as comparações são inevitáveis, é impossível não constatar a pobreza dos pães e queijos brasileiros diante da diversidade e da fartura existentes na Europa. Duvida? Basta olhar as vitrines de Amsterdã, Bruxelas, Madrid...



Memórias da Filadélfia

Eu vi um velho dormindo
Eu vi um esquilo comendo "peanut"
Eu vi o sino da história
Parado no tempo.

Eu vi o passado, a origem
O patriota e a patriotada.

Eu vi a estátua do amor.
LOVE. Love Park.
Uma fonte, um caminho, um sorriso.

Flores, ruas, gente.

Eu vi o homem acordar
Ele dormiu ali, ao relento
Quieto, calmo, sem incomodar
Era apenas mais um, um alguém, um qualquer

Enquanto Rocky dominava a paisagem
E lá dentro Van Gogh, Monet e Lautrec.

A vida seguia, a vida fervia, a chuva caía.
Murais, florais, musicais.
História, memória e glória.

Nas ruas da Filadélfia.

Uma cidade "tão vasta quanto o mar"

“Quando a vi pela primeira vez, senti-me acima de toda a miséria abjeta que não podemos eliminar (...). Essa impressão permaneceu comigo – embora mais tarde eu tenha percebido que Paris é também um celeiro de ideias e que ali as pessoas tentam tirar da vida tudo que podem. [...] As outras cidades se tornam insignificantes perto de Paris, que parece tão vasta quanto o mar. Ali, sempre deixamos para trás boa parte de nossa vida.”
Vincent van Gogh*

Um gênio das telas, um gênio das letras. Ou alguém há de questionar a descrição sensacional (em todos os sentidos) que Vicent van Gogh fez de Paris numa carta à irmã Wil em 22 de junho de 1888*? Honestamente, a manifestação do pintor holandês é suficiente, encerra por si só a interpretação do pulso parisiense, torna qualquer outro comentário inútil, menor.
Paris é indescritível e surpreendente. Em certo aspecto, assemelha-se ao comercial de um canal de TV a cabo – “se você é romântico, Paris é para você; mas se você é rebelde, underground, punk, hippie, Paris também é para você”. E é nisto que se encontra o seu fascínio.
Confesso que fui a Paris esperando encontrar uma cidade “perfeita”, arrumadinha, repleta de cartões postais feitos para turistas, quase um cenário hollywoodiano. Ela é, sim, um cenário cinematográfico, mas é também um roteiro. E dos bons. Tem personagens, conflitos, diferenças, energia, vida. Que outra cidade abrigaria a perfeição dos seus prédios históricos e as pichações sem fim nos túneis do metrô? Que outra cidade dividiria seus espaços entre madames e cavalheiros em seus passos elegantes com gangues vindas da periferia do mundo? A resposta é a romântica e surpreendente Paris.
Meus primeiros passos na capital francesa foram marcados por sensações ruins (eu sei, isto soa como blasfêmia...). Primeiro, uma exaustiva caminhada da estação de trem até o hotel, puxando uma pesada mala pelas calçadas disformes de Montmartre. Pelo caminho, um protesto estudantil. Depois, já no hotel, a impossibilidade de ir ao quarto, tomar um banho, revigorar-se. De volta à rua, a incompreensão da atendente do metrô, que não falava inglês e exigia uma foto 3x4 para vender um bilhete daqueles que valem para toda a semana.
Naquele momento, aquilo me parecia inacreditável. Mais que isso, inaceitável. Como uma das mais visitadas cidades do mundo não tinha no metrô alguém que entendesse inglês e pudesse vender um bilhete turístico sem burocracias? Fiquei um tanto furioso. Até que um amigo bradou: “Rodrigo, calma, você está em Paris!”.
O sentido daquela frase era mais amplo do que eu pude entender naquele momento. Tinha o sentido tão bem traduzido um século antes por Van Gogh – e que eu só pude compreender com o passar das horas, dos dias. Paris foi me envolvendo (aliás, a cidade é expert na arte da conquista). Até que eu efetivamente me dei conta que estava em Paris. Àquela altura, eu já sentia a cidade, havia estabelecido com ela uma relação íntima e mágica.
E eu estava em Montmartre! O bairro boêmio, por onde andaram nomes como Van Gogh, Renoir, Toulouse-Lautrec, Monet.... Um bairro que abriga uma colina com uma igreja. Imponente, como quem observa aquele ir e vir da cidade. Sacre-Couer, bela arquitetura, uma mistura do branco do mármore de suas paredes com o verde de seus ornamentos desgastados pela ação do tempo.
E pensar que a Sacre-Couer é apenas mais uma, e nem a mais bela, igreja em Paris. E pensar que tem a Notre Dame e a sua grandiosidade, a Saint Sulpice e seus mistérios, a Saint Chapelle e seus vitrais. E olha que nem citei o Louvre, o D´Orsay, a Torre Eiffel, a Champs-Élysées, os Jardins de Luxemburgo, o Arco do Triunfo...
Não citei porque é desnecessário – todo mundo conhece a Paris dos pontos turísticos. O que quero dizer vai além disso. Falo de uma cidade que é única não só pelos seus monumentos, também por causa deles, mas por muito mais além deles. E este muito mais é o que se sente, o que se cheira, o que se saboreia.
Uma cidade que “emana ideias”, como definiu Van Gogh. Uma cidade que só se descobre andando por suas ruas e calçadas, pelos seus subterrâneos, pelos seus becos, cafés e bares, por suas lojas, bistrôs e antiquários. Por sua gente – branca, negra, multicolorida. Pobre e rica. Uma cidade “tão vasta quanto o mar”. Uma cidade que faz as outras se tornarem “insignificantes”. Uma cidade onde inevitavelmente “deixamos para trás boa parte de nossa vida”.
Afinal, ninguém volta de Paris da mesma forma como foi.


* Frase retirada do livro “As mulheres de Van Gogh – seus amores e sua loucura”, de Derek Fell, Verus Editora, Campinas, 2007, p. 110.

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