Os sons da grande cidade

“Nova York, o inacreditável e miraculoso lugar dos lugares, que tinha sido o objetivo de seus corações desde a infância, o fim da estrada das jovens aspirações e dos planos infantis secretos.
(...) os mil estímulos que formavam a onda e o movimento e o estilo brilhantes da vida em Nova York.”
Jack Kerouac*


Nova York, a capital do mundo que não é capital de nada, a capital de direito sem sê-la de fato, emana sons que a própria razão desconhece. Não há quem não caminhe por suas ruas ou tente descansar em um dos milhares de quartos de hotel sem que ouça, em algum momento do dia ou da noite (e a soma de muitos alguns cria uma verdadeira sinfonia), o som de uma sirene. É a PDNY em ação! Ou o FDNY! Polícia e bombeiros sempre alertas, sempre barulhentos.
Ouvir o som estridente das sirenes não é privilégio. Ver um “policeman” em ação tampouco. Encontrar um grupo de bombeiros foi o que me coube. Quatro viaturas e mais de uma dezena de profissionais acumulavam-se em frente a um típico conjunto de prédios no SoHo, com espaços decadentes em seus pisos térreos, geralmente reservados a lojas.
Quatro viaturas! Uma parte do FDNY estava lá. Os bombeiros, em uniformes pomposos, atendendo a sabe-se lá qual ocorrência, encontraram tempo até para fotos com turistas curiosos que se acumulavam na esquina. A cena era a encarnação daquele tão familiar som da sirene, naquele momento desligada. Sinal de fumaça não existia. Seria o resgate de um gato na metrópole? Fui embora sem saber o que faziam aqueles homens.


Os ruídos de Nova York, porém, estão por todo canto. Numa rua qualquer, uma aglomeração revelava o lugar de um som muito familiar na grande cidade americana. Uma batida rítmica, grave, um som impuro saindo de um toca-CDs. Uma família – irmãos? primos? pais e filhos? – seguia aquela batida com passos rápidos e sincronizados. Rap? Hip hop? Ou apenas alguém tentando sobreviver na selva de pedra, dançando para, quem sabe, tornar real o sonho americano? Nova York não é mesmo a terra “where dreams are made of”?
E lá estavam eles também em Battery Park, à espera de turistas recém-chegados de uma esticadinha à Miss Liberty. Desta vez mais pulavam do que dançavam. Puxavam palmas, puxavam o coro num inglês às vezes incompreensível, outras vezes quase monossilábico – “Go man!”. Desafiavam olhares curiosos a participar, a colaborar (são os dólares, afinal, que eles esperam). E saltavam mortalmente, mais para criar um clima de tensão e aumentar a sensação de risco. Ainda assim saltavam de modo espetacular diante dos mesmos olhos curiosos de antes, agora um pouco arregalados. Um público boquiaberto. Não foi preciso, desta vez, puxar os aplausos. “The end” - por um breve momento, um fôlego necessário até o próximo desembarque do ferry e tudo recomeçava. Palmas, coro, saltos. Mais dólares.
Na Washington Square, sobravam ruídos da rebeldia juvenil, uma mistura efervescente e desconexa de batuques (às vezes improvisados) e arranhões nas cordas dos violões, aparentemente movidos a “marijuana”. Sobravam gritos de ordem e protestos estudantis. Sobravam sangue nas veias e energia (aos que resistiram aos delírios da “marijuana” e do álcool).



E até no silêncio da Catedral de São João, o Divino, ouve-se o som de Nova York. Um som espiritual, quase fantasmagórico, com agudos delineados, saindo de um piano desconhecido, formando um conjunto que reforçava - com a marcante escuridão e os poucos feixes de luz – os traços góticos daquele templo.
É assim a vida na grande cidade. Dos artistas anônimos das estações de metrô, lutando pela sobrevivência, àqueles que enfrentam a indiferença das ruas, eles estão sempre lá. Com seus acordes (geralmente desafinados), formam a sinfonia de Nova York. Não aquela cantada magistralmente por Sinatra ou Jay-Z, mas aquela do dia-a-dia, da vida na cidade – aquela vida e aquela cidade imortalizadas nos escritos do grande escritor americano ícone da geração beat, Jack Kerouac.
Sirenes, música, aplausos... É definitivamente impossível não ouvir Nova York. Amém! Aleluia!



* Frase retirada do livro “Cidade pequena, cidade grande”, L&PM Editores, Porto Alegre, RS, 2008, p. 121.

A perfeição suíça em Lugano

De Milão a Lugano, chega-se em uma hora por trem. Atenção (e esta dica é essencial): leve o passaporte, você cruzará a fronteira da Itália para a Suíça e, sim, o trem vai parar no meio do caminho para que guardas suíços verifiquem o documento. Tão logo se chega à pequena, porém eficiente e aconchegante, estação de Lugano, tem-se a certeza de estar na Suíça. A terra que parece um paraíso, onde tudo parece funcionar perfeitamente, onde a paisagem lembra a das embalagens de chocolate (suíço, claro!).

Encravada no coração da Europa Ocidental, famosa por sua neutralidade geopolítica (muito em razão de sua posição geográfica), a Suíça é um país atraente. Poucas vezes tem-se a oportunidade de estar num lugar onde o sistema de transporte funciona, o sistema financeiro funciona, o sistema de limpeza funciona, enfim tudo funciona. Não importa se você está na porção que sofreu influência francesa, alemã ou italiana (caso de Lugano): você está na Suíça e isto basta.
É impossível não notar, logo na chegada, a perfeição da paisagem. Ainda que o dia esteja completamente nublado, como naquele domingo 31 de outubro. As casas, as árvores, as cores, as gotas que caíam do céu molhando as plantas, tudo contribuía para dar àquele lugar a aparência de um cenário. Mas, sim, era real!
Como a cidade ocupa uma formação montanhosa, a partir da estação ferroviária é possível descer ao centro - e ao grande lago que dá nome ao lugar - de carro, a pé ou por uma espécie de bondinho (pelo qual você paga pouco mais de um franco – para este serviço não se aceita euro, mas em vários locais a moeda da Comunidade Europeia pode ser usada). Obviamente, preferi caminhar (ou me vi sem opção, já que não dispunha dos famosos – e caros - francos suíços).
Não me arrependo. Ainda que tenha descido por vias tortuosas, conheci mais profundamente a cidade. Encantei-me com a paisagem. A cada imóvel, a cada jardim, a cada esquina, uma surpresa. E, paradoxalmente, sempre mais do mesmo: a perfeição suíça.



A partir da estação, cruzei uma passarela e desci por uma curta trilha no meio de uma mata até a Via Borghetto. Logo cheguei à Catedral de San Lorenzo, com sua torre e o relógio. Um prédio “para causar inveja às mais belas cidades italianas”, nas palavras exageradas de Jacob Burckhardt, um estudioso do Renascimento. No interior do templo, uma bela decoração, distante da dos duomos italianos, mas bela. Uma igreja com uma rica história, erguida no século 11 e reconstruída no final do século 15.




Dali, segui pela Via San Lorenzo e depois pela Giuseppe Motta. As ruas estavam praticamente vazias (seria por causa do domingo, da chuva ou aquilo era normal?). O fato é que caminhei solitário, errante, ladeira abaixo. Cortei caminho por vielas e escadarias encravadas entre um imóvel e outro. Este foi o meu trajeto. Não faltam opções – porque não faltam becos, vielas e escadarias. Basta descer. E você chegará à beira do grande lago, naquele dia sem nenhum movimento (ou melhor, apenas com a presença de uns poucos patos e cisnes).

A paisagem impressiona pela beleza e civilidade. Acompanhando o lago, pela Riva Giocondo Albertolli, de um lado a sofisticação, a tradição misturada à modernidade; de outro, a natureza, a água límpida, o verde dos montes, o caminho marcado pelas árvores de folhagem “amarelo-outono”, harmoniosamente perfiladas rumo ao Parco Ciani ou Civico, um espaço de 63 mil metros quadrados.



No parque, flores e plantas dão vida ao que, num dia àquela altura já chuvoso, parecia ser um roteiro de solidão. Uma vegetação tipicamente suíça – seja lá o que isso signifique, você saberá distinguir. Olhe para as árvores perdendo suas folhas rumo ao inverno. Repare no trato cuidadoso dispensado aos jardins. Veja as pequenas flores coloridas formando um desenho harmonioso em frente ao prédio. Harmonia, perfeição, civilidade... Mais uma vez e sempre presentes. Ora, a Suíça...
Caminhe devagar, despretensiosamente. Respire, inspire. Observe, aprecie. Sinta, viva. Vá em frente, rumo ao porto, no ponto onde o rio Cassarate encontra o grande lago.




O parque abriga ainda museus. Colado a ele, o Palácio do Congresso. Defronte à entrada principal, no quarteirão entre o lago e a Praça da Independência (Piazza Indipendenza), o moderno cassino de Lugano. Entre a praça e o cassino, a Rua Canova, que leva ao Museu Cantonale de Arte. Bem perto dali, onde a Canova vira uma pracinha (ou piazzetta), a Igreja de San Rocco, do século 16.






A essa altura, já se percebe que o melhor a fazer em Lugano é mesmo caminhar – e lembre-se que você está na Suíça, portanto os carros vão sempre parar para os pedestres. Claro que o grande lago merece um passeio de barco e os montes merecem uma subida pelos teleféricos, mas debaixo de uma chuva que só crescia, restou-me a encantadora tarefa de caminhar. Pela harmonia, perfeição e civilidade... Ora, a Suíça!

Lugano - Lifestyle from Discover Lugano on Vimeo.

* O vídeo acima é de divulgação.

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