Herança florentina

"É fácil entender como ele se sentia. Especialmente para aqueles de nós habituados a domínios mais banais, a imanência do antigo, do belo e do histórico em quase todos os aspectos da vida cotidiana exige certo esforço de adaptação.”
David Leavitt em “Florença – Um caso delicado”, p. 32.


Algumas cidades são famosas por sua história. Outras por sua beleza (natural ou arquitetônica). Poucas, porém, conseguem reunir um e outro aspectos, o que as torna especiais. Este é o caso de Florença. Rica em tesouros (financeira e artisticamente), berço do Renascimento na Itália, a cidade cresceu sob a mão forte de uma família: os Médici. Eles promoviam e financiavam as artes, a guerra e a paz, mandavam prender e soltar ao bel-prazer. Para o bem e para o mal, marcaram época - uma época de ouro para os florentinos. Foi o momento em que a cidade se consolidou.
A ascensão dos Médici coincidiu com o Renascimento, um movimento que mudou a história do Ocidente. Grandes nomes da arte e da ciência passaram por Florença, deixando marcas. Grandes nomes do catolicismo (foram seis papas) nasceram ali, fazendo história. E são justamente essas marcas e essa história que tornam a cidade tão singular. Nas fachadas e no interior de suas igrejas, nas pinturas e esculturas de valor imensurável, nas conquistas ao longo dos séculos, na contribuição de seus cidadãos para a matemática, a filosofia, as letras, tudo em Florença é diferenciado.
E se não bastassem presenças marcantes como a do “David” e dos restos mortais de gênios do Renascimento; se não bastassem a arquitetura deslumbrante de Santa Maria del Fiore e do batistério e a imponência do Palazzo Vecchio e do Palazzo Pitti; se não bastasse a história marcada e presente em cada pedaço de chão, Florença ainda carrega os brilhos da Toscana, uma das regiões mais charmosas da Itália. Com seus vinhos e sua gastronomia de sabores e aromas inconfundíveis, com sua natureza colorida e encantadora. E tem ainda o Arno correndo como sangue numa artéria vital, a Piazzale Michelangelo pairando soberana sobre os ares locais, as galerias, as academias e as tantas Marias. Em Florença, cada esquina, cada rua, cada pedra do calçamento tem história para contar.
Em poucos lugares, ciência e religião convivem tão pacificamente (nem sempre, claro, foi assim). Em poucos lugares, o antigo e o novo combinam e se completam tão harmonicamente. Poucos lugares fazem o visitante se sentir tão especial e, ao mesmo tempo, tão insignificante (por mais paradoxal que isto pareça ser – e é). Em Florença, o visitante se sente numa terra abençoada, revolucionária, criativa, vibrante e isto tudo é uma fonte inesgotável de estímulo.
Há séculos, ninguém passa impune pela cidade. Afinal, se alguns lugares possuem momentos especiais, poucos conseguem ser especiais o tempo todo. Este é o caso de Florença. E com tantos atributos, chega a ser um desafio encontrar algum defeito por lá. A horda de turistas? Talvez. A chuva que insiste em cair numa certa manhã? Quem sabe. Busca inútil... Para quê, pois, buscar algum defeito se qualquer que seja ele será muito menos que um detalhe?
Riqueza, beleza e história, eis a herança que os florentinos oferecem ao mundo. Salve, pois, esta terra chamada Florença!


* Texto originalmente escrito para a revista "Máxima News"

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