Aventuras gastronômicas – parte 2

Acabei de ler um livro saboroso, daqueles que nos fazem viajar e sentir o aroma e o paladar das coisas. É um livrinho (não pela qualidade, ótima, e sim pelo tamanho). Assinado pelo publicitário Washington Olivetto, “Só os patetas jantam mal na Disney (e outras deliciosas viagens gastronômicas ao redor do mundo” (editora Panda Books) é realmente uma delícia.
Ao contrário do premiado publicitário, eu admito: não tenho aptidão para “gourmand”. Por isso, a gastronomia não é prioridade nas minhas viagens. Sou “caipira” e não troco um prato de arroz com feijão por qualquer uma das famosas guloseimas mundiais, como frutos do mar e patê de fígado de ganso.
Como dificilmente encontro nosso prato do dia-a-dia em outros países, recorro mesmo aos “fast-food” no almoço, para ganhar tempo, e privilegio o jantar buscando algo mais substancioso (normalmente comida italiana, que aprecio). Portanto, ao contrário de Olivetto, não tenho histórias saborosas para contar, mas tenho relatos que envolvem o sagrado momento da refeição.
No mais recente giro pelos EUA, já não aguentava mais variar o cardápio entre os grandes bifes (saborosos, é verdade) com batata frita, purê ou legumes e os grandes lanches com hambúrgueres (saborosos, é verdade) e batata frita. Estas são as comidas típicas norte-americanas. Somadas ao café da manhã com bacon, omelete ou ovos mexidos, batata frita, hambúrguer, waffle e panqueca doce, tem-se a exata equação da obesidade. É por isto que a questão do peso é um problema nacional por lá.






As carnes consumidas nos EUA são, é verdade, fantásticas - principalmente o angus, tipo nobre de origem escocesa. Acredite: na consistência e no sabor, são inigualáveis, muito superiores à melhor carne brasileira (explicaram-me certa vez que nosso rebanho ainda não tem as melhores raças). Contudo, até toda esta qualidade cansa.
Um certo dia, na Filadélfia, entrei no famoso Reading Terminal Market, um mercado onde se encontra um pouco de tudo, de produtos típicos da fazenda de Lancaster County até peixes e frutas diversos. Andava de um lado para o outro, entre açougues e salumerias, até que comentei – despretensiosamente - com o amigo que me acompanhava: “Uhm, um lanche de mortadela até que cairia bem...”. Um pedido, reconheci na ocasião, difícil de se realizar. Não impossível... Bastou olhar para o lado e ali estava ele. Não acreditei quando vi: um lanche de mortadela! Com tempero forte, é verdade, estilo da culinária crioula, típica do sul dos EUA, mas ainda assim um lanche de mortadela – para lembrar um pouco do Brasil. Não titubeamos: pedimos duas muffaletas (este é o nome do dito cujo) por meros US$ 5,95. Foi nosso almoço. Um saboroso e típico lanche original de Nova Orleans na Filadélfia.




Não bastasse o cardápio “caloroso”, os norte-americanos comem sem parar. Claro, isto é um exagero do ponto de vista individual. O que pretendo dizer é: seja qual for a hora do dia, haverá mesas lotadas, principalmente nos centros de compra. É difícil saber se estão almoçando, tomando café ou jantando porque sempre o menu inclui hambúrgueres e afins.
E para quem pensa que a principal rede de “fast-food” por lá é o McDonald´s, engana-se. Presente mesmo em cada esquina está o Subway. Claro, sem contar a preferência nacional pelo Starbucks, a famosa rede de cafés, com unidades espalhadas por todo o país oferecendo seus copos gigantescos de um café de gosto duvidoso para os brasileiros. E tem ainda o Dunkin Donuts e suas rosquinhas com coberturas diversas e os famosos “cup cakes”, coloridos e de sabor duvidoso dependendo do lugar onde são comprados.
  

Em meio a esse mundaréu de marcas e redes, encontrar às vezes algo para “beliscar” não é fácil. No Canadá, a tarde já se aproximava do fim, o frio se anunciava e a fome apertava sem que algo substancial surgisse para comer. Estávamos – o amigo e eu – em Niagara-on-the-lake, pequena cidade (quase um vilarejo) perto de Niagara Falls. A cidadezinha foi capital do país ainda colônia, entre 1792 e 1796, e é um dos poucos lugares no país que preservam quase na integridade a arquitetura colonial, o que confere à localidade um charme e um colorido especiais.
É justamente por isso que estava difícil encontrar algo razoável para comer. Havia bons espaços para se alimentar, ao menos na aparência. Espaços que reproduziam o clima peculiar do lugar (ou se integravam a ele com perfeição). Não tínhamos, porém, tempo para uma refeição com tranquilidade e qualidade, como a cidade exigia. Tampouco havia por ali os “fast-food”.
Andávamos um tanto apressadamente até que avistei uma padaria e sorveteria. Taylors chamava o lugar. Em meio aos salgados, uma “chicken pie” – ou simplesmente empada. E como estava boa aquela empada! Quentinha, saborosa... (quando a fome é muita, até uma simples empada de frango ganha status de prato de restaurante estrelado do “Michelin” – ou, se preferir, de indicação do Olivetto). Acrescentei ainda como sobremesa um delicioso cookie de chocolate.
Exagerei, é verdade, mas a lembrança da empada que nos serviu de almoço às quatro e meia da tarde na charmosa e encantadora Niagara-on-the-lake ficou na memória. Como uma daquelas singelas recordações de viagem...



PS: para ler “Aventuras gastronômicas – parte 1”, clique aqui.

Nova Orleans: "Have fun!"

A pronúncia é uma dúvida: uns dizem “niu orlíns”; outros, “niu órleans”. Seja qual for o seu sotaque, prepare-se: a cidade mais famosa da Louisiana é muito curiosa (para dizer o mínimo). Localizada na foz do rio Mississipi, New Orleans (ou Nova Orleans, como preferir) é um dos berços do jazz e do blues – o que já bastaria para uma visita. Não se engane, porém, com esta fama: a cidade cresceu e perdeu um pouco da sua originalidade musical, mas sim, os ritmos ainda estão lá, basta procurar.
Por falar em origem, o bairro mais famoso de Nova Orleans – fundada em 1718 - traz no nome a raiz do lugar. O French Quarter faz menção à colonização francesa da região (daí os nomes Orleans, de família real da França, e Louisiana, homenagem ao rei francês Luís 14). É nesse bairro onde estão os imóveis históricos. É uma área pequena, ideal para caminhar. Passeie de modo errante pelas ruas ora tranquilas, ora tumultuadas. Preste atenção no som que escapa pelas portas e nas figuras inusitadas que surgem pelo caminho. Há gente de todo tipo: jovens e velhos, clássicos e alternativos, em busca de paz e de sexo, gays e heterossexuais, gente com roupa e sem roupa, bêbados e sãos...
Atenção: deixe pré-conceitos e preconceitos de lado e curta a diversidade e a multiculturalidade que são marcas da cidade. Acredite: tantos tipos diferentes convivem em perfeita harmonia. É absolutamente normal ver famílias com filhos pequenos e casais de senhores e senhoras andando ao lado de jovens seminuas, bem como é claramente apresentada a oferta de sexo pago nas ruas, mas ninguém é abordado ostensivamente (colares do Mardi Gras à parte, mas isto é uma grande brincadeira).
São poucos policiais nas ruas, mais para “marcar presença” do que necessariamente garantir a segurança dos turistas. Ninguém mexe com ninguém, cada um se diverte à sua maneira sem incomodar os demais (desde, claro, que você tenha deixado os preconceitos de lado porque sim, verá mulheres com seios à mostra, jovens de sunga, “go-go-boys” dançando na calçada e etc). É a concretização do respeito ao espaço do outro.
O ecletismo é tamanho que junto de toda essa bagunça convivem respeitosamente fanáticos religiosos pregando o fim dos tempos e condenando ladrões, mentirosos, prostitutas, garotos de programa, adúlteros e pecadores em geral. Pregam sua “verdade” em meio à luxúria da Sodoma e Gomorra do século 21.
Tudo isto acontece com mais frequência na Bourbon Street, a rua principal do French Quarter. É lá também que estão os principais sons de Nova Orleans – e eles não são exatamente jazz e blues. Para decepção de quem espera encontrar-se com a história musical do lugar, ouve-se mais pop rock e tecno em agitadas baladas regadas a altos decibeis, bebida e talvez sexo do que necessariamente o clássico som que emana de contrabaixos, pianos, saxofones e clarinetes.











A mistura de faces, tipos e sons revela-se também na praça em frente à bela catedral (a mais antiga igreja católica dos Estados Unidos, do final do século 18). É lá que se concentram os artistas de rua – dos conhecidos grupos negros que saltam por entre a plateia às bandas e conjuntos estudantis, dos pintores aos mágicos. Também fazem sucesso por ali os futurologistas: cartomantes, astrólogos, quiromancistas e afins. Pode-se recorrer aos serviços desses “profissionais” de manhã, à tarde ou até de madrugada – eles estão sempre lá.
Não estranhe também se encontrar os que tiram um cochilo pelos bancos e becos da área. Neste caso, não são necessariamente vítimas da crise econômica que atingiu os EUA (e Nova Orleans em especial, devastada pelo furacão Katrina em agosto de 2005); são mesmo vítimas da noite anterior (e do excesso de bebidas).
Tudo isto acontece às margens do Mississipi, no ponto onde o famoso rio que corta o país de norte a sul encontra o mar (no caso, o golfo do México). E quanta história tem o Mississipi. Além da sua importância econômica como meio de escoamento da produção norte-americana, o rio é uma das causas do agrupamento de pessoas naquela área séculos atrás, notadamente escravos – daí os ritmos que ali nasceram. Assim, um passeio pelo rio vale muito mais pelo sentido geográfico-histórico do que propriamente pelas atrações que estão pelo caminho (porque efetivamente elas não estão).
Já escrevi tudo isto sobre Nova Orleans e sequer deixei o French Quarter. E, para minha surpresa, descobri que existem muitas cidades em uma só. Bairros modernos e clássicos, muito diferentes da área turística. Vi uma cidade avançada em muitos lugares, reconstruída em outros (é incrível pensar que tudo ali foi devastado sete anos atrás). Tampouco falei sobre a cultura crioula e a influência do vodu (ou vudu) na região – e estas são marcas muito fortes na culinária, na língua, nas vestimentas, etc. Ou seja: Nova Orleans voltará a este blog.












Em tempo: Mardi Gras (“terça-feira gorda” em francês) é o nome do famoso carnaval de Nova Orleans. É quando, por tradição, mulheres atiram colares para os transeuntes. Se os colares são recebidos, a tradição prevê que elas mostrem os seios, o que não é nada para os tempos modernos e para o que se vê na cidade. A festa acontece em fevereiro, mas suas práticas (como a tradição dos colares) se estendem durante todo o ano – geralmente eles são jogados por turistas como brincadeira.
Há diversas lojas que vendem os famosos colares. Eles são brilhantes e coloridos - as cores típicas da festa predominam, cada uma com um significado: dourado (poder), verde (fé) e roxo (justiça). Há até modelos ousados, com recados como “Fuck” e penduricalhos que imitam órgãos sexuais.
A tradição - que na região remonta ao final do século 17 - é tão presente e importante para a vida local que colares do Mardi Gras são vistos até nos portões de casas afastadas da área histórica. Dezenas deles estão também pendurados nas árvores e aparecem até nos cemitérios seculares de Nova Orleans.
Foi só quando cheguei à cidade que tive noção da extensão da festa e das brincadeiras (achava que tudo se resumia aos dias do evento, como no carnaval brasileiro). E foi só ao estar lá que entendi porque no aeroporto, quando a atendente da companhia aérea viu o destino indicado na passagem, sorriu e anunciou um tanto maliciosamente que iríamos – o amigo que me acompanhava e eu – “have fun” em Nova Orleans. Foi a mesma reação de uma outra pessoa quando comentei que estivemos na cidade.
Antes que me esqueça: foi nessa cidade que vi um daqueles ônibus que circulam com uma festa em seu interior. No caso, uma festa bem quente: lotada e movida a sexo. A cena podia ser vista da rua, pela janela do veículo. Sexo um tanto selvagem pelo pouco que vimos na passagem do ônibus. Isto também é nova Orleans. “Have fun!”, “Have fun!”...








P.S.: quem quiser curtir um pouco da música tradicional de New Orleans, recomendo ir ao Fritzel’s. Fica na Bourbon Street.

* As fotos são de autoria minha e de Carlos Giannoni de Araujo

Leia também:

- No ritmo do blues

Niagara, um espetáculo da natureza

A natureza é realmente pródiga em beleza e em surpresas. Na minha mais recente viagem, ela se apresentou – e nos presenteou – com todo seu esplendor em vários momentos. Um deles foi o da neve inesperada em Ottawa, mas sobre isto escreverei futuramente. Queria falar agora de algo previsível – e, acredite, surpreendente. Como pode, pois, algo previsível surpreender? É simples encontrar a resposta quando se está diante das cataratas do Niagara.
Confesso que estava com muita expectativa para conhecer as “Niagara falls”, como são chamadas em inglês. Às vezes, quando a expectativa para algo é grande, podemos nos decepcionar. Não foi o caso das cataratas. Elas atenderam à risca as expectativas. Aliás, foram além – surpreenderam.
Antes de avançar, porém, uma explicação: cataratas são formações resultantes da “ruptura longitudinal do leito de um curso de água com desnível significativo, de modo a provocar uma queda acentuada”. As cataratas em questão são formadas pelas águas do rio Niagara, entre os lagos Erie e Ontario. Ficam na divisa dos Estados Unidos (estado de Nova York) com o Canadá (estado de Ontario). Uma ponte não muito grande liga os dois países, a Rainbow Bridge (uma clara referência ao arco-íris que costuma dar as caras por ali por causa do efeito da luz do sol sobre a queda de água).



As águas do Niagara - límpidas e geladas - são de um tom verde escuro. Desabam de uma altura de 52 metros com uma força incrível, gerando uma neblina espessa que chega a cobrir a paisagem. De fato, são duas grandes quedas, uma que fica no lado norte-americano e outra que é tida como canadense, embora fique mesmo numa espécie de boca entre os dois países. Esta é a maior e mais impressionante. É para onde se dirigem os barcos que levam há décadas turistas para uma aventura de não mais que dez minutos.
São dez minutos de impressionar. Por mais que de cima se veja a força da água, só mesmo se aproximando das quedas é que se sente na pele o que isto significa – e se confirma quão forte é a vazão do rio naquele ponto mágico do planeta. Tão logo o barco parte e ultrapassa a marca das quedas norte-americanas, a visão vai ficando turva tamanha a quantidade de água que invade o ar. Mais alguns metros e já não se consegue ver mais nada.
A partir daí, é só sentir. Sentir a água batendo forte na pele, molhando tudo. Sentir a água escorrendo pelo rosto. Sentir a água entrando pela boca. Sentir o vento forte que dificulta ainda mais qualquer tentativa de enxergar um palmo além do rosto. É uma não-visão espetacular. Uma cegueira alva, momentânea, empolgante – que se une ao barulho quase ensurdecedor da água batendo na água. Uma sensação difícil de descrever. Vento, água, som, tudo se mistura para desenhar a força impressionante da natureza em contraposição à pequenez dos passageiros do barco (e do próprio barco, o famoso “Maid of the Mist”).




Em todo o caminho (e em todo o lugar), vê-se o balé dos albatrozes indo e vindo entre uma queda de água e outra, subindo e descendo do leito do rio acima para o leito do rio abaixo, asas abertas em sinal de liberdade, voo acelerado em sinal de respeito, mergulho na névoa em sinal de enfrentamento, nado sincronizado em sinal de alegria. Aves para todo lado naquela água agitada, gelada e provavelmente fértil.
As cataratas vistas assim tão de perto parecem a boca de um vulcão. Ao invés de fogo, água; ao invés de calor, frio; ao invés de vermelho, verde. Um vulcão às avessas. Eis, pois, que uma erupção de emoções invade a alma. Passo minutos silenciosos contemplando a paisagem em pontos distintos. De cada ângulo, a mesma força impressionante se revela e se impõe, impressionantemente, num movimento contínuo. Sim, é preciso ser um pouco redundante para transmitir a magnitude da paisagem.
Não é de baixo nem no nível da água, porém, que o visitante irá compreender a geografia do lugar. Para isso, é preciso ir às alturas. Recorra, então, à torre construída ali ao lado para servir de mirante. Dela, a 775 pés (ou 236 metros), é possível ver como as cataratas se formam e porque são divididas em duas grandes quedas. É possível enxergar, distante, a região de Niagara no Canadá e, logo ali do outro lado, nos Estados Unidos.
A vista é magnífica. E a percepção, confusa. De perto, Niagara parece menor do que se vê pela TV; de cima, parece grande; de dentro, é gigantesca. É incrível constatar como ela se transforma dependendo do local de observação e, ao mesmo tempo, como mantém sua beleza, sua força e sua grandeza (não necessariamente no sentido geográfico, embora seja efetivamente grande).
Seja como for, e de onde se olhe, as cataratas do Niagara são um verdadeiro espetáculo. Um presente da natureza – belo e surpreendente.



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