Panamá: índios, latinos, piratas e um ditador

A riqueza do Panamá não está apenas no canal, nos centros de compras da capital ou no setor financeiro. O país tem uma rica cultura, que mistura influências da colonização espanhola, dos escravos e índios.
A música é apenas mais um elemento no divertido e colorido corredor às margens do pacífico, em Casco Antiguo. É lá que se concentra a feirinha. O artesanato é diversificado e reflete a mistura de etnias que formaram o Panamá. A maioria da população é mestiça de índios e escravos com europeus. Entre os indígenas, há guaranis, cunas e chocós. Na feirinha, além dos tradicionais souvenirs, é possível encontrar tapeçarias, estampas e materiais de lã. Cada um seguindo uma tradição.


Ali também está um outro produto que leva o nome do país mundo afora. Ou melhor, que não deixa o Panamá sair da cabeça. E como tradição é tradição, é bom explicar logo: o chapéu Panamá não é daqui. “O nome se deve ao presidente Theodor Roosevelt quando veio inspecionar as obras do canal. Ele usou um chapéu destes porque estava na moda e fazia muito calor. Ele foi o primeiro presidente dos EUA a sair (do país). Quando voltou aos Estados Unidos com fotos da volta ao mundo com o chapéu, as pessoas perguntavam: ‘Este chapéu é muito elegante, como se chama?’. Ele pensou: ‘é do Panamá’. ‘Panamá!’. Por isto o nome é chapéu do Panamá, mas é feito no Equador”, contou o vendedor Lenin Santana.
O chapéu custa de US$ 15 a US$ 300, mas segundo o vendedor, um certo senhor Afonso Capone, ou simplesmente Al Capone, chegou a pagar US$ 30 mil por um exemplar.
Mas se o chapéu Panamá, que na verdade é feito no Equador, é mais tradicional, a cultura panamenha não deixou de lado suas próprias tradições. “O chapéu do Panamá é este e se chama sombrero pintado. Há vários tipos de chapéu, este um, este outro também é feito aqui. (...) Vende muito. As pessoas buscam muito o chapéu Panamá e este, ambos. São muito populares, muito conhecidos”, citou Santana.

  
Uma nação que se orgulha da sua cultura e da sua história. Novembro, quando estivemos lá, é o mês da pátria. Uma comemoração pela independência, ocorrida em 1903. Durante todo o mês, o país se veste de vermelho, azul e branco. Nos postes, o enfeite fica a cargo do governo.
Mas o que chama a atenção é a exposição de bandeiras com as cores nacionais nas empresas, casas e até nos carros. Estão por todo lado, de todos os tamanhos. No alto do cerro Ancón, o principal monte da capital, ela aparece soberana.







  
  
  




   
O tricolor das bandeiras se mistura ao colorido dos prédios do bairro de Chorrillo. Um lugar cuja história remonta ao século 17. Aqui, fora dos muros que existiam quando Casco Antiguo era o centro do vilarejo, moravam os escravos. Séculos depois, os muros não existem mais, mas os moradores de Chorrillo seguem à margem da riqueza da capital. E o local continua fazendo história. Aqui funcionava o quartel general do ditador Manuel Noriega, que governou o país entre 1983 e 89.
Colaborador da Cia, a Central de Inteligência dos Estados Unidos, Noriega se tornou inimigo dos norte-americanos, acusado de ajudar os cartéis de drogas da Colômbia. Em dezembro de 1989, o presidente americano George Bush ordenou a invasão do Panamá. O objetivo era derrubar e prender Noriega. Os ataques duraram duas semanas. Cerca de três mil pessoas morreram, a maioria civis.
Muitas batalhas ocorreram em Chorrillo. “Segundo contam os moradores, os americanos trouxeram armas para distribuir para a população para que ela pudesse combater as forças do então ditador. E muitas dessas armas continuam no meio da população até hoje. Tanto é que o lugar virou uma área perigosa. Os moradores chamam de zona vermelha, comandada pelas bandas. Bandas são como gangues, organizações criminosas. Tentamos entrevistar moradores lá e ninguém quis gravar entrevista.
As ruas são vigiadas por guardas. Existem pelo menos cinco facções na região: Calor Calor, Pentágono, Bagdá, Evolution e MON. Elas teriam ligações com grupos colombianos e mexicanos.
No muro, o grafite lembra o período da invasão norte-americana e as armas nas mãos de crianças.




Noriega se entregou em 3 de janeiro de 1990. Foi condenado nos Estados Unidos a 30 anos de prisão por tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Também foi condenado pelo assassinato de dois políticos panamenhos e pelo fuzilamento de soldados em 1989.
Após cumprir pena por 21 anos nos Estados Unidos e França, o ex-ditador voltou ao Panamá em dezembro de 2011. Hoje, aos 79 anos e com problemas de saúde, ele vive entre o hospital e a prisão.
Desde a queda do ditador, o Panamá não tem mais exército.
Noriega é um capítulo da história de um país descoberto em 1501, mas que virou nação de fato há pouco mais de cem anos. Um lugar que carrega as marcas de sua história em Panamá Viejo e Casco Antiguo. E que apresenta modernidade e riqueza banhadas pelo Pacífico.
Um país com histórias de piratas e desbravadores. E de gente simples, que deixa a vida passar ao som do banjo.


* Reportagem feita originalmente para o programa "Matéria de Capa", da TV Cultura (dom., 19h)

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