Estamos em
Paracas, na região central do Peru, 250 quilômetros ao sul da capital Lima. Banhado
de um lado pelas águas frias do oceano Pacífico e cercado do outro lado pelo
deserto de Ica, o vilarejo vive da pesca e do turismo. Ali fica a Reserva Natural
das Ilhas Ballestas, um santuário da vida marinha. Um contraste com a paisagem
árida e praticamente sem vida do deserto ao redor.
Para conhecer
a reserva, é preciso navegar cerca de meia hora mar adentro. O trajeto é
acompanhado de perto por um grupo de aves. Elas voam na tradicional formação em
"V", como se estivessem indicando o caminho. Uma ou outra escapa do
bando e exibe sua elegância num voo rasante. É um indicativo do que vamos
encontrar na reserva.
No meio do
caminho, o barco reduz a velocidade para observamos um misterioso desenho. Ele
é conhecido como candelabro, mas também se parece com um cacto, vegetação
típica do deserto. Ninguém sabe como a figura foi feita nem a razão de estar
ali. O candelabro mede 177 metros de comprimento por 54 metros de diâmetro. Foi
feito provavelmente a partir da retirada de pedras da superfície da montanha,
deixando à mostra a terra mais clara de baixo. É um método parecido ao das
linhas de Nasca, mas estudiosos afirmam que não há relação entre elas.
O que mais
intriga os pesquisadores é o fato do desenho só aparecer em relatos de
navegadores no século 19, embora algumas teorias estimem a idade dele em 2,5 mil
anos. O fato é que candelabro é um enigma.
Seguimos rumo
às ilhas. Nosso pequeno barco rasga as águas do pacífico deixando para trás um
rastro de espuma. Logo a reserva aparece. São três formações rochosas, com
pequenas praias e túneis formados pela ação do tempo.
O cenário é um
encanto. E serve de abrigo para milhares de aves. São mais de duzentas
espécies, incluindo os famosos pinguins de Humboldt. É o único existente no Peru
e está em risco de extinção. Na reserva, eles vivem em segurança. Ninguém pode
descer nas ilhas, o que faz delas um lugar especial para os animais se
alimentarem e reproduzirem.
Algumas
estruturas, por exemplo, estão tomadas por ninhos. Além de filhotes, os
pássaros depositam fezes. Para o Peru, são como ouro. O país é o maior produtor
de guano, um valioso fertilizante
natural orgânico. Por isso o cheiro é forte...
A baía de Paracas,
onde fica a reserva das ilhas Ballestas, abriga muitos guanais, conhecidos no Brasil
como cormorões, além de
pelicanos e até galinhas do mar. A população de pássaros marinhos do Peru
vem crescendo. Passou de 3,2 milhões para cinco milhões em quatro anos. Mesmo
em alta, o número é distante dos 60 milhões que já existiram no país.
A riqueza da
área se deve em boa parte a um fenômeno climático: a corrente de Humboldt, uma
ducha de água fria que corre da Antártida rumo ao norte, perto do Equador. A
corrente atrai peixes, como as anchovas, que servem de alimento para aves e
mamíferos. Eles são a atração principal para os turistas. Leões e lobos
marinhos, principalmente da espécie sul-americana, encontram ali um lugar
seguro para descansar.
Os que
preferiram ficar acordados fazem um barulhão. São como uma orquestra,
desafinada, mas encantadora. Um espetáculo auditivo. São animais fascinantes. O
leão marinho adulto chega a pesar 350 quilos. Nas rochas, eles parecem estar
brigando, mas na água se divertem. Mergulham e sobem à superfície como se
brincassem de se esconder.
Ver a vida marinha assim tão de perto é um privilégio.
Saber que o limite para a presença do homem é este, só observar, traz a certeza
de que nas ilhas Ballestas a natureza vai seguir seu rumo.
* Texto original da reportagem feita para o "Repórter Eco" (TV Cultura, dom., 17h):